Sobre o projeto Narrativa de Campo Escuro
Narrativa de Campo Escuro é uma investigação artística interdisciplinar que nasce do fascínio diante da possibilidade do retorno de um sentido adormecido: a magnetopercepção (a capacidade de perceber campos magnéticos) à cognição humana. Resultado de uma ampla pesquisa, ainda em processo, do duo de artistas Ío (Laura Cattani e Munir Klamt), envolvendo uma equipe multidisciplinar de colaboradores de áreas como a física, biofísica, geologia, arqueologia e tecnologia.
A ideia para este projeto nasceu em 2016 diante do fascínio da possibilidade de seres humanos detectarem a presença de campos magnéticos. Experimentos recentes apontam que uma parte da população, menos de 8%, é capaz de indicar a presença de campos magnéticos em uma sala escura, sem, no entanto, descrever de que maneira esta percepção se manifesta cognitivamente (quase como se não tivéssemos ainda uma linguagem para entender e compartilhar essa sensação).
O absoluto milagre que é a possibilidade da vida, em um infinito e inóspito espaço, no diminuto terceiro planeta do sistema solar, se deve à existência do campo magnético. Nascido do titânico movimento de oceanos de ferro e níquel liquefeito, a 3 mil km de profundidade, na parte externa do núcleo da Terra. É do embate destes fluidos em incessante movimento que as correntes elétricas são geradas e o campo magnético emerge. Em termos míticos, que muitas vezes esta Narrativa de Campo Escuro opera, entendemos o campo magnético como a deidade original, o útero que gestou a vida na Terra. Não existia vida antes de sua existência e todas as criaturas vivas evoluíram sob sua influência. Aves migratórias o usam como guia, tartarugas e peixes, que realizam grandes deslocamentos ao redor do planeta, também. Marimbondos orientam a geometria de seus ninhos, assim como túneis de formigas; raposas contam com ele para detectar suas presas na neve.
Portanto, como tantos outros animais, existe a possibilidade concreta de que humanos sejam sensíveis aos campos magnéticos e tenham atrofiado este sentido no sedentarismo do processo civilizatório. A hipótese com a qual os artistas do duo Ío vêm trabalhando, assim, ancorada em descobertas recentes, é que a capacidade de detectar campos magnéticos seja uma habilidade humana adormecida – e propõem formas de aproximação com esse sentido através de desenhos, vídeos, objetos e um dispositivo de geolocalização magnética para traçar a história do impacto da percepção magnética sobre os seres vivos e gerar outras experiências sensoriais no público. Um aspecto fundamental do desenvolvimento deste projeto é seu caráter de invenção e experimentação prática. Um exemplo é o dispositivo NCE, para o qual foram realizados vários protótipos e feitas diferentes experimentações até encontrar a peça ideal que permita ao usuário sentir em seu corpo uma sinalização vibrátil sempre que estiver alinhado ao Norte magnético. Por meio deste dispositivo foram feitos os primeiros testes de sensibilização para a percepção magnética, e a peça (NCE- Dispositivo A) tornou-se uma obra que permitiu aos espectadores um senso físico e tátil de direção. Esta é a primeira etapa em um processo que pretende fazer com que a percepção dos campos magnéticos de se dê forma orgânica (não mediada por dispositivos).
Narrativa de Campo Escuro se apresenta, assim, em duas instâncias. Na primeira a Ío, acompanhada de cientistas e inventores, busca constituir uma revisão crítica da magnetopercepção e construir estratégias concretas através de dispositivos e possibilidades fisiológicas de compartilhar de forma concreta e real a percepção magnética entre humanos; a segunda, pelo viés da arte, busca a possibilidade mítica e metafórica que nos comunique a potência de uma força que engendrou nossa vida no planeta e que permita nos guiar na escuridão.
Sobre os artistas:
Ío é o duo formado em 2003 por Laura Cattani e Munir Klamt, ambos artistas, curadores e pesquisadores, que trabalham por meio de projetos e pesquisas que vão, de acordo com suas demandas conceituais, definir a linguagem e os materiais que lhe darão corpo. Sua poética oscila entre Eros e Thanatos, e as obras tomam forma com diversos meios, contextos e plataformas, tais como vídeos, instalações, desenho, web art, performance ou fotografia, abordando temas tão variados quanto paixões humanas, astronomia, biologia e mitologia. O conjunto das obras da Ío constrói um ecossistema em que a atração e repulsa, peso e leveza, orgânico e artificial, sensualidade e violência interagem.
A Ío vem realizando exposições em diversas cidades do Brasil, bem como Uruguai, Argentina e França. Sua produção foi premiada três vezes no Prêmio Açorianos de Artes Plásticas; Melhor Exposição no 2º Prêmio IEAVi, além de indicações ao Prêmio Pipa e ao Prêmio Açorianos, dentre elas ao Prêmio do Júri por sua trajetória artística. Sua obra integra as coleções do MACRS, FVCB, Coleção Casa Niemeyer, MAM-RJ e MAMAM.
Ficha técnica:
Narrativa de Campo Escuro
Projeto realizado com recursos do PRÓ-CULTURA RS FAC – Fundo de Apoio à Cultura, do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
Gestão do projeto:
Concepção: Laura Cattani e Munir Klamt
Produção Cultural: Concreção – Paulo Frederico Mog da Silva
Realização: Instituto Cultural Torus
Identidade Visual: Tiago Gasperin
Fotografias: Anderson Astor, Ío e Jean Peixoto
Realização dos dispositivos de geolocalização: Klaus Kellermann
Realização site: Agência Bah
Contadora: Samanta Leal – Conttà Assessoria Empresarial
Exposição Narrativa de Campo Escuro – MACT
Criação e realização das obras: Ío
Curadoria: Nara Cristina Santos e Juliana Vizzotto.
Assistentes Curatoriais: Cristina Landerhal, Fabíola Assunção, Juliana Callero e Piérre Jacome.
Apoio Curatorial: Isabella Bittencourt e Sah Laureano.
Expografia: Ío.
Apoio Expográfico: Andrei Eloy, Erick Leal, Jamille Marin, Júlia Urach, Leonardo Penna e Maitê Estral
Exposição Narrativa de Campo Escuro – DeCurators
Concepção da exposição, criação e realização das obras: Ío
Apoio Curatorial: Gisel Carriconde Azevedo
Montagem: Rômulo Barros
Catálogo:
Autores: Daniel Acosta Avalos, Laura Cattani, Munir Klamt, Osvaldo Pessoa Júnior, Ulisses Carrilho.
Revisora: Maiara Alvarez
Projeto gráfico: Bruno Borne
Impressão e encadernação: Helder Kawabatta
Publicação: Ed. Névoa
Apoio: Ed. Cirkula